Bruxaria Moderna: como a bruxa renasceu das cinzas
A bruxaria sobreviveu às fogueiras e ressurgiu como força espiritual, política e cultural. Descubra por que a bruxa nunca nos deixou.
JORNADAS
Nykalios
7/31/20255 min read


Fogueira
O Silêncio das Cinzas: por que a bruxa sobreviveu ao fogo?
Havia uma mulher. Dizem que ela dançava nua à meia-noite, sussurrando nomes esquecidos aos ventos frios. Seu crime? Existir fora do contorno permitido. Queimaram-na. E mesmo assim, ela sobreviveu, não em corpo, mas em memória, em arquétipo, em suspiro ancestral que ainda hoje pulsa nas veias da Terra.
Você já se perguntou por que ainda falamos de bruxas?
Não deveria ter sido um assunto enterrado, literalmente, com as cinzas dos séculos passados? E, no entanto, aqui estamos: evocando suas histórias, estudando seus símbolos, invocando seus nomes. A bruxaria não apenas resistiu: ela se transformou. E no coração dessa metamorfose, pulsa uma história que não é apenas da bruxa, é nossa.
Entre a chama e o sussurro: as sobrevivências silenciosas
Durante os séculos de perseguição e repressão, muitos acreditaram que a bruxaria havia sido erradicada da face da Terra. As fogueiras arderam, os julgamentos se multiplicaram, e o medo consolidou um silêncio forçado. No entanto, a realidade foi bem diferente.
Elementos da chamada bruxaria, práticas de cura com ervas, encantamentos populares, rituais sazonais, continuaram vivos, ainda que mascarados sob tradições "inofensivas" ou crenças camponesas. Essas manifestações não eram relíquias mortas, mas sementes em dormência. Enquanto as elites propagavam o esquecimento, as comunidades preservavam a memória, oral, ritual, simbólica.
Nas vilas rurais da Europa, a mulher que sabia fazer chás para cólicas menstruais, o homem que lia sinais na fumaça, a parteira que conhecia os ciclos da Lua, todos eles carregavam fagulhas de um saber antigo, ainda que sem consciência disso. A bruxaria, nesse sentido, sobreviveu não como religião estruturada, mas como pulsação cultural subterrânea.


Representação da sobrevivência silenciosa, evocando memória, resistência e silêncio forçado


Reconstrução da espiritualidade pagã no século XIX.
O resgate do invisível: como o século XIX reconstruiu o mito
Chegamos então ao século XIX, e aqui a história dá uma guinada curiosa. Esse foi o tempo em que a bruxaria começou a ser resgatada não como ameaça demoníaca, mas como herança espiritual. O romantismo europeu, fascinado pelo passado pré-cristão, pelas mitologias nórdicas e pela figura do “nobre selvagem”, criou o cenário ideal para uma reinterpretação profunda da figura da bruxa.
Foi nesse contexto que Margaret Murray lançou sua teoria controversa: a de que a bruxaria era uma antiga religião pagã perseguida pela Igreja. Apesar das falhas metodológicas, que os próprios autores do livro apontam, a proposta teve enorme apelo emocional e simbólico. Pela primeira vez, a bruxa não era vista como criminosa, mas como herdeira de um culto ancestral à Deusa.
Esse novo imaginário pavimentou o caminho para o surgimento de práticas organizadas, entre elas a mais conhecida: a Wicca, sistematizada por Gerald Gardner. Ele reuniu rituais, cosmologias e simbolismos diversos, estruturando uma espiritualidade que homenageava os ciclos da natureza, as divindades duais e a magia como expressão sagrada.
Na verdade, pensando melhor, talvez Gardner não tenha "criado" a Wicca, ele simplesmente escutou o eco de um chamado antigo e o traduziu para o mundo moderno.


Altar Pagão
Entre covens e caldeirões: a bruxaria como movimento
A partir das décadas de 1950 e 60, a Wicca, e suas vertentes derivadas, começaram a se espalhar pelo Reino Unido, Estados Unidos e, mais tarde, para outros continentes.
A força desse movimento está na sua adaptabilidade. Covens podem ser fechados e iniciáticos, mas também há praticantes solitários.
Algumas tradições priorizam a Deusa, outras celebram a dualidade divina, e há quem incorpore panteões celtas, gregos, egípcios ou até mesmo símbolos pessoais. A bruxaria moderna não impõe dogmas: ela convida à construção espiritual autêntica.
Além disso, a Wicca e outras formas de bruxaria neopagã passaram a dialogar com pautas sociais contemporâneas. O ecofeminismo, por exemplo, encontra na Deusa um símbolo de resistência ao patriarcado e destruição ambiental. Pessoas LGBTQIA+ encontram nos rituais uma espiritualidade que reconhece e celebra suas identidades. A bruxaria torna-se, então, mais do que um sistema mágico: é um caminho de cura, pertencimento e afirmação.
Você consegue imaginar o impacto disso em alguém que cresceu à margem de todas as religiões tradicionais?


Resistência, poder psíquico e político
A bruxa como símbolo psíquico e político
A análise histórica começa a se fundir com o plano simbólico. O que representa, afinal, essa figura que se recusa a desaparecer? Por que a bruxa ainda ressurge em momentos de crise, ruptura ou transição?
A resposta pode estar no arquétipo. A bruxa encarna forças profundas do inconsciente coletivo. É o feminino indomado, o saber marginal, o poder fora do controle institucional. Ao longo da história, ela foi demonizada justamente por representar o que o poder não podia domesticar: o corpo, a intuição, o êxtase, a conexão com os ciclos naturais.
Hoje, ressignificada, ela se torna emblema de autonomia espiritual. Não mais aquela que precisa ser "salva", mas aquela que oferece caminhos. Não um erro histórico, mas uma alternativa simbólica.
E talvez seja por isso que ela incomoda tanto ainda. Porque em tempos de controle, velocidade e desumanização, a bruxa propõe pausa, presença e pertencimento.
E se ela nunca tivesse partido?
É fácil pensar na bruxa como uma figura do passado, presa em livros de história ou contos infantis. Mas a verdade é que ela nunca foi embora, apenas mudou de forma. Está na mulher que se recusa a se calar. No homem que honra os ciclos da Terra. No jovem que cria seus próprios rituais. Está, talvez, em você.
E aqui vai uma provocação final:
Se a bruxaria é, em sua essência, uma forma de lembrar o que o mundo tenta esquecer...
O que em você ainda precisa ser lembrado?
(Respire. Ouça. Talvez ela já tenha sussurrado.)


Caminho com névoa. Reconexão com o mistério.
REFERÊNCIA
ALEXANDER, Brooks & RUSSELL, Jeffrey B. História da Bruxaria. 2. ed. – São Paulo, 2019.
Pagão e bruxo. Compartilho meus aprendizados e conhecimentos com todos os interessados nesse mundo maravilhoso!
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