História da Bruxaria: Ecos de Sangue, Fogo e Silêncio
Uma jornada intensa pela história da bruxaria, desvendando os ciclos de medo, perseguição e silêncio que moldaram séculos de julgamentos, crenças e resistência oculta.
JORNADAS
Nykalios
7/31/20256 min read


Quando o medo tem nome: um mergulho visceral na História da Bruxaria
Imagine a seguinte cena: uma vila europeia no final do século XVI. O inverno chegou cedo, as colheitas falharam, uma criança adoece repentinamente. E então, sussurros. Olhares tortos. Um nome começa a circular, o da mulher que mora sozinha na beira da floresta, com suas ervas, seu gato e seu silêncio. Em pouco tempo, esse nome já não é apenas um nome. É um veredicto.
Agora, tente não imaginar a forca.
“Winter Landscape” de Pieter Bruegel the Elder


Malleus Maleficarum edição veneziana de 1576
A bruxa como invenção coletiva: nem real, nem totalmente imaginária
O que chamamos hoje de "História da Bruxaria" não é simplesmente uma sucessão de julgamentos grotescos e fogueiras acesas em praças públicas. É, acima de tudo, um espelho distorcido da mentalidade ocidental, onde o medo, a religião, o poder e o corpo feminino se entrelaçam de forma desconcertante.
Segundo Jeffrey B. Russell e Brooks Alexander, a figura da bruxa não nasceu num único momento. Ela foi sendo "composta" ao longo dos séculos, a partir de diferentes camadas culturais. Primeiro como feiticeira (aquela que manipula forças invisíveis), depois como herege (aquela que desafia o dogma), e por fim como inimiga pública da cristandade, aliada do Diabo em carne e osso.
Curioso, não? Como uma personagem construída por mitos pode ter causado a morte de dezenas de milhares de pessoas ao longo de três séculos?
Talvez porque o medo, quando institucionalizado, não precisa de provas. Apenas de linguagem, rituais jurídicos e um corpo sobre o qual se possa escrever a punição.
A fé no Diabo e o sistema judicial como engrenagem do horror
Por mais paradoxal que pareça, a crença na bruxaria não foi obra de camponeses supersticiosos. Foi sistematizada por intelectuais, padres, juristas, homens letrados que viam na bruxa a prova viva da presença do mal no mundo.
A Igreja, especialmente a partir do século XV, passou a incorporar oficialmente a ideia do pacto demoníaco. Bruxaria, nesse contexto, não era apenas magia: era traição espiritual. Era teologicamente insuportável.
E assim, o que era antes uma suspeita difusa, alguém que fazia uma cura estranha, ou falava sozinha, tornou-se uma ameaça existencial. A máquina judiciária fez o resto: tribunais locais, confissões obtidas sob tortura, delações forçadas.
E uma estatística que ainda hoje arrepia: entre 40 e 60 mil mortos na Europa continental.
(Pausa para respirar.)
Mulheres, corpos e poder: por que elas?
É impossível falar da História da Bruxaria sem encarar de frente sua dimensão de gênero.
A maioria absoluta dos condenados por bruxaria eram mulheres. Viúvas. Parteiras. Curandeiras. Mulheres pobres. Mulheres estranhas. Mulheres com saberes que escapavam ao controle masculino. Mulheres cujo corpo não se enquadrava, literal ou simbolicamente, no que a sociedade esperava.
A bruxa era, nesse sentido, a anti-mulher. Aquela que seduz, que desobedece, que sangra fora do tempo permitido. Era o corpo feminino transformado em território demoníaco.
Não por acaso, o Malleus Maleficarum, o mais influente tratado de caça às bruxas, dedica páginas e páginas à suposta inferioridade moral das mulheres. A mensagem é clara: controlar o mal era também controlar o feminino.


“Examination of a Witch” (1853) de Thompkins H. Matteson
O teatro macabro da justiça: quando a lei serve ao pânico
Ao contrário do que se pensa, a Inquisição não foi a principal responsável pelas maiores matanças. Foram os tribunais civis, especialmente na Alemanha, Suíça e França, que conduziram as caças mais ferozes.
Esses julgamentos seguiam uma lógica perversa: bastava uma acusação para que a engrenagem se ativasse. A tortura era legalmente aceita. A confissão, mesmo sob dor, era válida. A delação era incentivada. E o silêncio, interpretado como culpa.
O resultado? Comunidades inteiras mergulhadas em ciclos de histeria e sangue. Crianças acusando mães. Irmãos acusando irmãs. Vizinhos enfileirados para testemunhar, ou se proteger.
(Será que faríamos diferente hoje?)


A Inquisição (s/d), de Joaquín Pinto (1842-1906). Museu do Banco Central de Cuenca, Equador
Na Grã-Bretanha e nas colônias: o horror com sotaque inglês
Embora em menor escala, a Inglaterra e suas colônias também viveram sua cota de horrores. O caso mais famoso é o de Salem, em 1692, onde 20 pessoas foram executadas e mais de 150 acusadas.
Lá, o ambiente era outro: puritano, teocrático, paranoico. Mas o mecanismo era parecido. Sonhos, visões, comportamentos estranhos, tudo era prova. E, como sempre, o medo se organizava em forma de tribunal.
Na Inglaterra, a tortura não era legalmente permitida como no continente, o que limitava o número de execuções. Mas isso não impediu a criação de leis severas e a atuação de caçadores de bruxas como Matthew Hopkins, que sozinho causou mais de 100 mortes em poucos anos.


“Witch Hill” de Thomas Satterwhite Noble


Retrato de Voltaire, filosofo iluminista e defensor das liberdades individuais e da tolerância
E de repente... o mundo muda
O século XVIII trouxe algo inédito: a dúvida. A razão iluminista, aliada ao avanço do direito moderno e da ciência, começou a questionar os fundamentos das caças às bruxas.
Juristas passaram a exigir provas. A tortura caiu em descrédito. A teologia recuou. E o Diabo, esse personagem onipresente por séculos, foi sendo empurrado para a literatura, o folclore, o imaginário popular.
A bruxa, outrora temida como ameaça cósmica, virou personagem de conto, de pintura, de Halloween.
Mas a pergunta incômoda permanece: o que mudou, exatamente? Foi o mundo que se tornou mais racional? Ou apenas mais sutil em suas formas de perseguição?
A cicatriz e o espelho: por que ainda precisamos falar disso?
Falar da História da Bruxaria não é revisitar o passado por morbidez. É entender como o medo se organiza socialmente, como ele se legitima, se justifica, se ritualiza, e como, muitas vezes, ele encontra corpos vulneráveis para se materializar.
Hoje, ninguém mais é queimado por supostamente voar à noite montado em um bastão. Mas mulheres ainda são punidas por exercerem autonomia. Pessoas ainda são perseguidas por serem diferentes. E o pânico moral ainda é usado como arma política.
Confesso que sempre me inquieta o fato de que os mesmos arquétipos medievais aparecem, de tempos em tempos, com nova maquiagem, ora como ameaça comunista, ora como “ideologia de gênero”, ora como qualquer coisa que desafie o status quo.
A bruxa, nesse sentido, nunca foi apenas uma mulher acusada de feitiçaria. Ela é o símbolo da diferença que incomoda. Do saber que escapa. Do corpo que não se curva.
E é por isso que essa história ainda importa.


Autorreflexão por Daria Shchukina
Você já se perguntou quem seriam as bruxas de hoje?
Talvez a resposta esteja mais próxima do que gostaríamos de admitir.
(Ou talvez... no espelho.)
REFERÊNCIA
ALEXANDER, Brooks & RUSSELL, Jeffrey B. História da Bruxaria. 2. ed. – São Paulo, 2019.
Pagão e bruxo. Compartilho meus aprendizados e conhecimentos com todos os interessados nesse mundo maravilhoso!
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