Epítetos de Perséfone: significados, história órfica e usos na espiritualidade

Descubra os epítetos de Perséfone, seus significados na tradição órfica e como utilizá-los na espiritualidade e na bruxaria. Explore a complexidade da deusa e sua ligação com a vida, a morte e a transformação.

DEUSES

Nykalios

8/21/20256 min read

A força dos nomes que ultrapassam a superfície

Perséfone não foi apenas a donzela raptada por Hades. Muito menos apenas a rainha sombria do submundo. Entre uma narrativa e outra, seus nomes multiplicaram-se como espelhos fragmentados, refletindo ora a inocência, ora o terror, ora a promessa da renovação.

Na tradição órfica, aquela que via na morte não o fim, mas o início de outra travessia, Perséfone era central. Não só porque era mãe de Dionísio em sua primeira encarnação, mas porque governava o reino que mais importava aos órficos: o pós-vida. Seus epítetos, guardados em hinos compostos entre os séculos I e III EC, não são simples adjetivos. Eles são chaves necromânticas, capazes de convocar visões, de abrir as portas para o contato com ancestrais, de fazer a presença dos mortos se aproximar do círculo ritual.

Você já se perguntou por que chamamos alguém de tantos nomes ao longo da vida? Filha, amiga, amante, inimiga, mãe, criança, senhora. Cada título desperta um rosto diferente da mesma pessoa. Com as divindades acontece o mesmo, mas elevado à enésima potência.

Perséfone: a que floresce e a que devora

Um de seus epítetos é Bryousa, “florida”. Outro é Brimo, “raivosa”.
Essa justaposição já revela uma tensão central: Perséfone é o broto tenro que surge na primavera, mas também a força terrível que impõe respeito no submundo.

Ela é Karpoisi, “frutífera”, e ao mesmo tempo Praxidikê, “a que impõe penalidades”.
É Thalos, o rebento, e também Pantokrateira, toda-poderosa.

Esses epítetos não estão ali para suavizar a deusa, mas para mostrar que ela é totalidade. Confesso que sempre me impressionei com essa dualidade, não é à toa que Perséfone aparece tantas vezes em sonhos de quem está dividido entre caminhos contraditórios.

O corpo que guarda símbolos

Alguns títulos são corporais, como se cada detalhe físico da deusa fosse um sinal:

  • Leukolenos: de braços brancos.

  • Tanusphuron: de tornozelos finos.

  • Ophthalmoisin: de belos olhos.

  • Bathykolpos: de cintura funda.


Essa atenção aos detalhes não é gratuita. O corpo de Perséfone não é apenas um corpo: é um mapa. Ele nos lembra que a fertilidade e a morte habitam a mesma carne. Que aquilo que toca o solo e floresce um dia retornará a ele.

Entre luz e sombra

Um dos epítetos que mais intriga é Faésforos, “a que traz a luz”. Não é curioso? A rainha do submundo, associada às sombras, também é chamada de portadora da luz. Talvez porque, ao atravessar a morte, a alma também encontre uma centelha de claridade.

Na verdade, pensando melhor, isso diz muito sobre a própria experiência humana: às vezes é no fundo do poço que a primeira fagulha aparece.

Perséfone e seus Epítetos: A Linguagem Secreta da Rainha do Submundo

Imagine ouvir seu próprio nome sussurrado no escuro. Não o nome que você usa todos os dias, mas aquele escondido, o que só aparece em momentos liminares, quando algo dentro de você está prestes a se transformar. É assim que funcionam os epítetos de Perséfone: nomes secretos, títulos arcaicos que não descrevem apenas a deusa, mas também despertam em nós algo que já estava ali, adormecido, à espera de ser chamado.

Representação de Perséfone Anassa Aidao

Vozes órficas e ecos contemporâneos

Os hinos órficos não eram apenas recitações poéticas. Eram mantras, fórmulas mágicas. Quando entoados, criavam estados alterados de consciência. Não é difícil imaginar um coro repetindo: “Perséfone Pantokrateira! Perséfone Brimo! Perséfone Despoina!”, e o ar carregando não só o som, mas uma vibração quase palpável.

Hoje, bruxas e bruxos retomam esses nomes em rituais de devoção ou magia. Cada epíteto funciona como um fio: puxado com intenção, ele conecta o presente ao eco ancestral. É possível sentir que, ao pronunciar “Perséfone Anassa Aidao” (rainha do submundo), não estamos apenas nomeando, mas recriando sua soberania dentro do círculo mágico.

Uma anedota pessoal (ou quase isso)

Lembro-me de uma amiga que costumava entoar “Perséfone Melitode”, “doce como o mel”, em noites de lua crescente. Ela dizia que sentia uma suavidade incomum, como se a deusa viesse não para arrastar ao Hades, mas para consolar.

Certo dia, arriscou chamá-la de “Perséfone Praxidikê”, a que impõe penalidades. A atmosfera mudou. Ela descreveu como se um peso tivesse descido na sala. Não havia maldade, apenas um senso de ordem implacável, como se a própria Justiça tivesse cruzado a porta.

O que aprendi com isso? Que escolher um epíteto não é apenas estética. É invocar uma corrente muito específica da deusa.

Perséfone, a Donzela e a Rainha

Entre todos os epítetos, talvez os mais famosos sejam Kore (“donzela”) e Anassa (“rainha”). Um representa a inocência, a jovialidade, o florescer da vida. O outro, o poder absoluto sobre o submundo.

Essa duplicidade não é apenas mítica. É existencial. Quem nunca se sentiu, ao mesmo tempo, vulnerável como uma jovem arrancada de casa e soberano de seu próprio destino, sentado em um trono invisível?

Os especialistas frequentemente reduzem Perséfone a essa dicotomia, mas os epítetos mostram que há muito mais: ela é também Semnê (augusta), Agne (adorada), Genetira Eumenides (mãe das Erínias). Não apenas donzela, não apenas rainha, mas também mãe, amante, terror, consolo.

Contra a visão limitada

É tentador ver Perséfone só como vítima ou só como soberana. Mas seus epítetos desmontam essas narrativas simplistas. Ela é múltipla, contraditória, quase inclassificável. E talvez seja exatamente isso que a torna tão relevante hoje.

Vivemos numa época que insiste em rotular: sucesso ou fracasso, luz ou sombra, inocente ou culpado. Perséfone nos mostra que uma só entidade pode ser Biodotis (doadora da vida) e Upochthoniôn Basileia (rainha subterrânea). Por que nós, humanos, deveríamos ser menos complexos?

Aplicações práticas

Como, então, usar os epítetos de Perséfone hoje? Algumas possibilidades:

  • Na meditação: repetir um epíteto como um mantra, deixando a energia dele reverberar.

  • Em rituais de passagem: invocar Anassa Aidao em momentos de perda, luto ou transformações profundas.

  • Para colheita e abundância: chamar Karpoisi ou Bryousa, conectando-se ao ciclo fértil da deusa.

  • Para justiça e ordem: trabalhar com Praxidikê em situações que exigem clareza ética.

  • Para autoconhecimento: alternar entre Kore e Anassa, lembrando que dentro de nós há sempre donzela e rainha.

Perséfone no espelho

Às vezes me pergunto: será que os epítetos falam mais da deusa ou de nós mesmos? Quando a chamamos de “belíssima”, não projetamos nosso desejo de beleza? Quando a invocamos como “terrível”, não estamos também reconhecendo nosso próprio medo?

Talvez os epítetos sejam menos sobre definir Perséfone e mais sobre revelar nossos múltiplos reflexos diante dela.

Representação de Perséfone Pantokrateira

Síntese final: um convite

Se os epítetos são chaves, então cada um abre uma porta diferente. Porta para a memória ancestral. Porta para a própria sombra. Porta para a fertilidade ou para a justiça. Porta, enfim, para a experiência da transformação.

E aqui voltamos à cena inicial: você, diante de um nome sussurrado na escuridão. O que acontece se o nome não for o seu, mas o dela?

Perséfone Pantokrateira. Perséfone Kore. Perséfone Anassa Aidao.
Cada nome é um chamado. Cada chamado, uma resposta.

Agora, a pergunta é sua: Qual desses nomes você ousará pronunciar?

Lista de Epítetos

  • Aglaomorphe: dotada de bela forma

  • Agne: adorada

  • Agnon: pura

  • Anassa: Rainha

  • Anassa Aidao: rainha do submundo

  • Bathykolpos: de funda cintura

  • Biodotis: doadora da vida

  • Brimo: raivosa

  • Bryousa: florida

  • Chtônikê Basilissa: rainha cthoniana

  • Daiphroni: prudente, sábia

  • Damar Politymatos: esposa preciosa

  • Despoina: senhora

  • Epainês: temível

  • Eratoplokamos: com tranças gentis

  • Euôpida: bom agouro

  • Euphengês: três vezes brilhante, radiante

  • Faésforos: a que traz a luz/lucífera

  • Genetira Eumenides: mãe das Erínias

  • Karpoisi: frutífera

  • Kednê: zelosa

  • Keroessa: com chifres, cornígera

  • Kore: donzela

  • Leptynis: nome próprio atribuído à deusa como rainha do submundo

  • Leukolenos: de brancos braços

  • Megalou: grandiosa

  • Melitode: doce como o mel

  • Monogenea: unigênita

  • Nestis: água “que de lágrimas umedece fonte mortal”

  • Ophthalmoisin: de belos olhos

  • Ôrôn Sumpaikteira: a que joga com o tempo/idade

  • Pantokrateira: toda poderosa, dominadora

  • Perikallês: belíssima, muito linda

  • Potheinê: amada

  • Praxidikê: a que impõe penalidades

  • Semnê: Augusta, digna de ser venerada

  • Tanusphuron: de finos tornozelos

  • Thalos: rebento, broto jovem

  • Upochthoniôn Basileia: rainha subterrânea


Algumas variações do nome:

  • Fersefoneia: Persefoneia

  • Phersephatta: Persefata

  • Persephonia: Persefônia

  • Persephóne: Perséfone

REFERÊNCIA

Obsidiyana. O Caminho de Perséfone: História, magia e os mistérios da deusa da transformação. São Paulo, SP. Editora Goya, 2024. pg. 221-223


NOTA PESSOAL: Eu super recomendo o livro de referência. A autora é uma sacerdotisa de Perséfone que possui grande conhecimento, esse material é riquíssimo! Para quem quer aprender mais sobre a deusa, esse livro é indispensável.